De olho no campo magnético da Terra no Brasil
Observatório Nacional – MCTIC
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Você sabia que existe um campo magnético sendo gerado, a mais de 2900 km de profundidade, no centro da Terra? Para se ter uma ideia, é a mesma distância que separa a cidade do Rio de Janeiro da cidade de Belém, no Pará. Este pedaço do planeta é chamado de núcleo externo, e nele existe um líquido rico em ferro e níquel, que está em constante movimento e em altas temperaturas. É este movimento que gera o campo magnético, que tem efeito parecido com o de um ímã, em um processo conhecido como geodínamo. Trata- se do principal campo magnético do planeta.
Apesar de não ser visível, este campo magnético tem extrema importância. Ele funciona como um escudo que protege o planeta do vento solar e dos raios cósmicos, que, basicamente, são conjuntos de partículas que vêm do espaço em direção à Terra. Em situações de tempestade magnética, esse escudo evita que ocorram problemas na transmissão de energia elétrica ou nos sistemas de comunicação por satélite. Sem ele, não teríamos nem acesso à internet.
O Observatório Nacional trabalha com o monitoramento do campo magnético da Terra, fazendo medições contínuas por longos períodos, e com alta precisão.
A maior parte do campo medido pelo Observatório é gerada nas profundidades da Terra, mas nem tudo vem de lá. Há outros campos gerados em camadas específicas da atmosfera, como na ionosfera (entre 60 a 1000 km de altitude) e na magnetosfera (camada mais distante, na qual o campo magnético terrestre interage com o vento solar). Além disso, a própria crosta terrestre, onde vivemos, tem um campo gerado por seus minerais magnéticos.
Representação artística da interação Sol-Terra. As atividades eruptivas do Sol são capazes de acelerar partículas energéticas e também podem ejetar plasma direcionado para a Terra. São as ejeções de massa coronal que são capazes de produzir severas tempestades geomagnéticas. Na figura é possível observar uma nuvem de plasma se propagando em direção ao nosso planeta e interagindo com o campo geomagnético.
Fonte: Figura elaborada por Gregório Holanda (gregoriosim@gmail.com)
Mas, em meio a tantos campos gerados no interior e no exterior da Terra, como diferenciá- los? Isso é feito pelos dados registrados nos diversos observatórios do mundo. As informações coletadas permitem caracterizar as diferentes fontes do campo com uma análise matemática de dados.
Os observatórios magnéticos começaram a funcionar em 1832, quando o astrônomo alemão Carl Friedrich Gauss criou um procedimento para determinar a intensidade do campo geomagnético. Nestes quase 200 anos, os observatórios evoluíram muito: atualmente, contamos com uma rede internacional de instituições em diversos países, todas seguindo altos padrões de qualidade de medição e transmissão de dados em tempo real. A distribuição destes observatórios, no entanto, ainda é desigual. Poucos são aqueles instalados nos oceanos e na América do Sul.
Mapa dos observatórios que fazem parte da rede INTERMAGNET (“International Real-time Magnetic Observatory Network”).
Fonte: Figura elaborada por Gabriel Brando Soares (soaresbrando@gmail.com)
Destaque para a América do Sul, mostrando os observatórios que fazem parte do INTERMAGNET.
Fonte: Figura elaborada por Gabriel Brando Soares (soaresbrando@gmail.com).
Hoje, o Brasil tem dois observatórios magnéticos: Vassouras (VSS), a 120 km da cidade do Rio de Janeiro, e Tatuoca (TTB), que fica em uma ilha em Belém, no Pará. VSS funciona continuamente desde 1915, o que faz dele um dos observatórios mais antigos do mundo. TTB opera desde 1957. Ambos fazem parte da INTERMAGNET, uma rede internacional de observatórios de alto padrão. Outros dois observatórios estão em construção no Brasil. Um deles ficará no estado do Mato Grosso, em convênio com o SESC-Pantanal. O outro será instalado em Tefé, no Amazonas, e é desenvolvido em colaboração com o Instituto Mamirauá.
Com a escassez de observatórios na América do Sul, o monitoramento dos campos magnéticos conta com o apoio das chamadas estações de repetição. Elas estão em locais fixos por todo o Brasil, onde idealmente são realizadas observações a cada cinco anos. É uma forma de complementar os dados obtidos pelos observatórios. Hoje, o Brasil conta com mais de mil observações obtidas por 175 estações de repetição. São mais de cem anos de história: a primeira observação foi realizada em 1903, e a última, em outubro de 2019.
Intensidade do campo geomagnético no Brasil em 2020, mostrando os observatórios magnéticos existentes (estrelas vermelhas) e em construção (estrelas verdes), assim como as estações de repetição (círculos pretos). O modelo utilizado para fazer o mapa foi o IGRF (“International Geomagnetic Reference Field”).
Fonte: Figura elaborada por Gabriel Brando Soares (soaresbrando@gmail.com).
Além das estações de repetição, existe uma outra forma de analisar campos magnéticos. São as chamadas estações magnéticas. A diferença é que elas medem variações do campo, mas não necessariamente registram seus valores absolutos. A ideia é monitorar o campo geomagnético externo e induzido. Em 2019, o Observatório Nacional instalou uma estação magnética em Macapá, no Amapá, em cooperação com o GFZ-Potsdam (Centro Alemão de Pesquisas em Geociências) e com o grupo da geofísica da Universidade Federal do Pará. Neste projeto, acompanhamos o movimento do equador magnético no território brasileiro.
Equador magnético em 1957 (curva rosa), 2013 (curva azul) e 2020 (curva verde). Os círculos pretos mostram o local de dois observatórios magnéticos no Brasil que são parte do INTERMAGNET: Vassouras (VSS) e Tatuoca (TTB) e o círculo vermelho mostra o local da nova estação magnética do Observatório Nacional, em Macapá.
A produção centenária de dados geomagnéticos coloca o Brasil em destaque no cenário mundial. Além disso, o país está localizado em uma região privilegiada para a observação de importantes fenômenos do magnetismo terrestre. Assim, os dados gerados pelo Observatório Nacional são usados em pesquisas de excelência em geomagnetismo no Brasil e no mundo. Nossas informações já ajudaram a elaborar modelos globais do campo magnético, calibração de dados de satélite e até estudos de prospecção mineral e da indústria do petróleo. Essa diversidade de usos mostra que as medições feitas pelos observatórios magnéticos são importantes não apenas para o desenvolvimento científico,
mas para questões práticas da sociedade.
Nas ciências exatas existem dois tipos de grandeza. A que chamamos de grandeza escalar é definida por um único dado: a área de uma sala, por exemplo. Aquelas que são definidas por mais de uma informação são conhecidas como grandeza vetorial. A velocidade é um bom exemplo — para além do valor numérico, ela tem um sentido e uma direção.
Assim como a velocidade, o campo magnético também é uma grandeza vetorial, o que significa que cada ponto do espaço tem uma intensidade e uma direção. São estas propriedades que ajudam a caracterizar um campo magnético em um determinado local, medido por instrumentos chamados magnetômetros. Normalmente, a intensidade ou o campo total são representados por “F”, e as componentes “norte”, “leste” e “vertical”, por X, Y e Z, respectivamente.
Outro componente de caracterização do campo são os ângulos nele contidos. Denominamos ângulo de declinação (D) aquele entre a componente horizontal (H) e o campo total (F). As componentes que não são medidas são calculadas por simples relações trigonométricas, a partir dos dados já obtidos.
Componentes do campo geomagnético e suas relações trigonométricas.
Existem os pólos geomagnéticos, que são locais nos quais o campo total (F) é igual à componente vertical (Z). São locais de inclinação magnética máxima, e definem os pólos norte e sul magnéticos. Já o equador magnético ocorre onde o campo é totalmente horizontal (quando H é igual a F) e a inclinação é zero.
Foto ilustrativa de uma observação absoluta realizadas no Observatório de Tatuoca pelo técnico Alex Geovanny.
Existem dois tipos de observações feitas em cada observatório magnético: as absolutas e as relativas. Quando se faz uma medição absoluta, registram-se ângulos de declinação e inclinação por meio de um instrumento chamado DI-fluxgate teodolito e a intensidade total por meio do magnetômetro overhauser, como o GSM-19. Estas medições são feitas manualmente, duas vezes por semana, por técnicos especializados.
Foto dos magnetômetros: DI-flux teodolito (painel superior) e overhauser GSM-19 (painel inferior), ambos utilizados para observações absolutas, anotadas pelo técnico Ronan Miranda no Observatório Magnético de Tatuoca.
Atualmente, um dos maiores desafios da instrumentação em geomagnetismo é construir um magnetômetro que faça medições absolutas de alta precisão de maneira automática. A necessidade da presença de técnicos treinados acaba dificultando a distribuição de observatórios pelo mundo. Com equipamentos automáticos, seria mais fácil fazer medições em áreas remotas do planeta, ou em regiões com condições climáticas extremas.
No caso das medidas relativas, a evolução tecnológica teve papel fundamental na coleta e análise de dados. Se antes o registro das variações do campo magnético — o magnetograma — era feito em papel fotográfico e trocado diariamente, hoje os variômetros são digitais e automáticos. As medições ocorrem a cada segundo, ou até menos. Uma vez gerados, os dados são transferidos para computadores, onde são processados para que sejam usados em trabalhos científicos.
Sistema antigo de observações geomagnéticas: registros magnéticos (magnetogramas) analógicos em papel fotográfico dos Observatórios Magnéticos de Vassouras e Tatuoca e exposição do Observatório Nacional mostrando os instrumentos clássicos (variômetros).
Instrumentos relativos instalados atualmente na casa dos variômetros nos observatórios de Vassouras e Tatuoca. O fluxgate registra três componentes do campo geomagnético a cada segundo ou menos. Estes registros são digitais, gravados em computadores, como é mostrado na foto.
Dados geomagnéticos são gerados no Brasil desde a chegada dos portugueses. As informações que datam do ano 1500 ao ano 1883 foram obtidas por observações de declinação magnética nos portos marítimos e em toda a extensão litorânea do país. Na época, os responsáveis pelas medições eram os técnicos de navegação e os pilotos de navios comerciais. Entre 1883 e 1900, o explorador holandês Elie Van Rijckevorsel realizou uma série de medições, determinando os valores de declinação magnética, inclinação e a componente horizontal do campo magnético no interior do Brasil.
A partir do início do século 20, o Observatório Nacional passou a monitorar o campo geomagnético brasileiro por meio das estações de repetição. As medições contínuas tiveram início em 1915, com a inauguração do Observatório Magnético de Vassouras (VSS). No local, especialistas já podiam fazer medições de todos os elementos do campo geomagnético.
Hoje, os dados obtidos pelos observatórios de Vassouras e Tatuoca são publicados em repositórios internacionais, como o World Data Center e a rede INTERMAGNET. Para que fiquem disponíveis à comunidade científica, as informações devem atender a altos padrões de qualidade.
Situada a cerca de 200 km da capital fluminense, a cidade de Vassouras foi escolhida para receber o primeiro observatório magnético do Brasil por ter as condições ideais para o monitoramento — entre elas, o fato de estar localizada na região da Anomalia Magnética do Atlântico Sul. O Observatório Magnético de Vassouras (VSS) tem importância histórica para o Brasil e, por ser um dos poucos observatórios sul americanos, tem grande relevância no mundo. Desde 1999, a instituição integra a INTERMAGNET, rede que une observatórios de alto padrão de qualidade e que disponibilizam dados em tempo real.
Em sua estrutura, VSS tem três magnetômetros fluxgate (aparelhos que medem, de maneira contínua, três componentes do campo magnético por segundo) e um teodolito DI fluxgate (que realiza medições absolutas de declinação e inclinação duas vezes por semana). O local é mantido pelo Observatório Nacional, que tem uma cooperação com o centro alemão de pesquisas GFZ-Potsdam. A parceria permitiu, em novembro de 2019, a instalação do terceiro magnetômetro fluxgate, que permite mais segurança na manutenção dos dados. Em 2021, VSS vai receber a inauguração do ICCO — Centro Internacional de Calibração de Observatórios. A ideia é apoiar outras instituições na América do Sul, fomentando recuperação, calibração, processamento e análise de dados.
Saiba mais sobre a história de VSS e sobre o campo geomagnético no Brasil: Documentário “Observatório Magnético de Vassouras: há 100 anos medindo o campo magnético da Terra: http://on.br/index.php/pt-br/galeria-de-videos.html?videoid=5H5JYq8Ipnc&ygstart=10
Foi em uma pequena ilha no estado do Pará que se instalou o segundo observatório magnético do Brasil, o de Tatuoca (TTB). A história da instituição começa em 1933, quando foi construída uma estação magnética temporária na ilha. A escolha de Tatuoca foi estratégica: o local está próximo tanto do equador geográfico quanto do equador magnético da Terra. Apesar de seus anos de funcionamento, as medições contínuas só começaram em 1957. Os dados de TTB, junto aos de Kourou, na Guiana Francesa, fornecem importantes conclusões sobre o equador magnético e o eletrojato equatorial. Há cinco anos, o TTB recebe visitas do Observatório Nacional, em parceria com o GFZ-Potsdam, para modernização da estrutura e treinamento da equipe. Os investimentos renderam: em 2019, o observatório passou a integrar a rede INTERMAGNET.
Veja notícia sobre Tatuoca publicada no site do Instituto Serrapilheira: https://serrapilheira.org/no-para-pequena-ilha-se-destaca-na-pesquisa-sobre-o-geomagnetismo-da-terra/
Em outubro de 2012, o Brasil ganhou seu terceiro observatório magnético, desta vez no Pantanal (PNL). Com a nova unidade, a distribuição de dados atingiu um novo patamar, com a possibilidade de obter mais detalhes do campo geomagnético na região central do país.
Assim como o observatório de Vassouras, a nova estrutura também é próxima à região da Anomalia Magnética do Atlântico Sul.
Enquanto o PNL era instalado, uma estação magnética registou o campo total (F) da região por quatro meses. Neste período, duas tempestades magnéticas ocorreram: a primeira no dias 24 e 25 de outubro de 2011, e a segunda entre os dias 21 e 24 de janeiro do ano seguinte. Estes resultados são abordados em um artigo de Siqueira & Pinheiro (2015).
A instalação de um observatório magnético é um processo complexo, que deve seguir uma série de etapas. No caso do PNL, a construção teve como referência os padrões da IAGA, a Associação Internacional de Geomagnetismo e Aeronomia, como descrito em Jankowski & Sucksdorf (1996). De acordo com esta diretriz, a primeira etapa da construção do observatório é definir o local onde ele será instalado. No caso de PNL, a estrutura fica em uma reserva ambiental particular pertencente ao SESC-Pantanal, na região do Pantanal mato-grossense. Pode parecer óbvio iniciar o processo com a escolha do local, mas é um detalhe de grande importância: o ideal é que não haja nenhum risco de mudança geográfica do observatório por séculos. Por ali, o Observatório Nacional também encontrou uma infraestrutura já existente, com refeitórios, energia, internet, pista de pouso de aviões de pequeno porte e alojamento, entre outras facilidades.
Outro fator que deve ser levado em consideração para selecionar a região que deve abrigar um observatório é a existência de possíveis anomalias magnéticas da crosta terrestre no local escolhido. Assim, o desenvolvimento do PNL exigiu um levantamento gradiométrico — que detecta níveis de magnetismo — em uma área específica. Os dados desta análise geraram um mapa, ferramenta que ajudou a identificar os melhores locais para a instalação das casas do observatório.
Além disso, a equipe que idealizou o PNL executou testes dos materiais que seriam utilizados nas edificações, como pregos, cimento e pedras. A ideia era verificar se estes itens são magnéticos, o que poderia interferir nas análises de dados.
O Observatório Magnético do Pantanal funciona desde outubro de 2012, mas, no momento, está em reforma por problemas de umidade nas casas de medição.