Fenômenos Magnéticos

Mapa dos observatórios magnéticos existentes (círculos pretos) e futuros (círculos verdes). As isolinhas azuis mostram a intensidade do campo geomagnético no Brasil e a Anomalia Magnética do Atlântico Sul, e a linha em vermelho mostra o equador magnético. Os valores do campo geomagnético foram calculados utilizando o modelo global IGRF para o ano de 2017.

Mapa dos observatórios magnéticos existentes (círculos pretos) e futuros (círculos verdes). As isolinhas azuis mostram a intensidade do campo geomagnético no Brasil e a Anomalia Magnética do Atlântico Sul, e a linha em vermelho mostra o equador magnético. Os valores do campo geomagnético foram calculados utilizando o modelo global IGRF para o ano de 2017.

Fonte: Figura elaborada por Gabriel Brando Soares (soaresbrando@gmail.com)

Cerca de 90% do campo geomagnético é dipolar. Isso quer dizer que ele se assemelha ao campo magnético gerado por um imã, com dois diferentes polos (norte e sul). Existem, no entanto, os outros 10% do campo geomagnético, que tem característica predominantemente não dipolar, como acontece no caso da AMAS. Como o campo, nesta região, tem baixa intensidade, a Terra fica mais vulnerável aos efeitos do vento solar e a outras partículas que chegam do espaço. É como se, naquele pedaço do planeta Terra, sua função de escudo não fosse tão efetiva.

Representação artística dos cinturões de radiação de Van Allen que circundam a Terra. Estes cinturões são uma zona de partículas energéticas carregadas que são trazidas, em sua maioria, pelo vento solar. Estas partículas são capturadas e mantidas em torno do globo devido a ação do campo magnético da Terra. É possível notar na figura que os anéis internos de radiação não são simétricos. O lado direito está mais perto da Terra, indicando a
proximidade do anel interno com a Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS), região centrada sobre grande parte do sudeste brasileiro.

Fonte: Figura elaborada por Gregório Holanda (gregoriosim@gmail.com)

Existem modelos globais baseados em dados obtidos em levantamentos, observatórios, estações e satélites. Eles mostram as mudanças da anomalia ao longo do tempo. Por exemplo, o modelo chamado gufm1 acompanha a evolução do campo magnético em 400 anos, evidenciando o aumento de sua extensão e a diminuição de sua intensidade (veja animação abaixo). As variações temporais da AMAS refletem processos dinâmicos que estão acontecendo no fluido condutor existente no núcleo externo. Desta maneira, essas observações do campo na superfície são indícios importantes do que ocorre no interior profundo da Terra, lugar onde não se pode fazer observações diretas.

Resultado do trabalho de modelagem do campo geomagnético de Jackson et al. (2000) mostrando a variação da intensidade do campo geomagnético em 400 anos (de 1590 a 1990). Observe o deslocamento da Anomalia Magnética do Atlântico Sul (AMAS) da África em direção à América do Sul e a diminuição da sua intensidade no tempo.

Apesar de sua importância, a região da AMAS concentra poucos observatórios magnéticos, o que dificulta estudos sobre o fenômeno. Vassouras (VSS) é um destes observatórios e, desde 1915, contribui para o estudo da AMAS. O papel de Vassouras no estabelecimento de modelos globais e na compreensão da origem da AMAS é fundamental, principalmente por ser um complemento às missões de satélite que registram o campo magnético, sempre de curta duração. Para obter mais informações sobre a AMAS, o grupo de geomagnetismo do Observatório Nacional instalou um novo observatório magnético na região do Pantanal (PNL). Atualmente em reforma, PNL é próximo à região central da AMAS. Trata-se de mais uma iniciativa importante para os estudos do fenômeno, que é tema recorrente de debates na comunidade científica.

O Brasil também é o território onde ocorre outro fenômeno importante: o equador magnético. O equador magnético é a região da superfície terrestre onde o campo magnético é completamente horizontal. É diferente, por exemplo, dos polos magnéticos, nos quais o campo é totalmente vertical. A evolução do equador magnético ao longo do tempo é consequência da variação secular gerada no núcleo. Assim, os dados que registram a posição do equador magnético podem ser usados em estudos sobre o interior profundo da Terra.

Mapa de inclinação do campo geomagnético no Brasil em 2020, mostrando os observatórios magnéticos existentes e em construção (estrelas), assim como as estações de repetição (círculos). O modelo utilizado para fazer o mapa foi o IGRF (“International Geomagnetic Reference Field”).

Esta geometria particular do campo no equador magnético é responsável pela formação de uma intensa corrente elétrica na região da ionosfera. Esta corrente é chamada de eletrojato equatorial, e pode ser observada entre três graus de latitude em relação ao equador magnético. Este fenômeno tem como consequência uma maior variação diurna na componente H. Quando comparado a campos gerados por correntes de baixas e médias latitudes, o eletrojato tem uma maior amplitude de variação porque sofre influência da longitude, das estações do ano e das oscilações atmosféricas (Projeto TODAY). Assim, os dados magnéticos associados ao eletrojato equatorial são importantes para estudos da dinâmica da ionosfera. Entretanto, muitas questões sobre o eletrojato ainda estão em aberto, especialmente pela escassez de dados sobre a região.

A variação diurna do campo geomagnético é causada por mecanismos de indução eletromagnética. Durante o dia, os fótons solares ionizam a atmosfera terrestre, assim produzindo o plasma (que reúne íons e elétrons), formando a ionosfera terrestre. Por sua vez, a ionosfera é movimentada por ventos atmosféricos. Essa movimentação do plasma acaba por produzir uma força eletromotriz — e esta força gera campos elétricos e correntes. Por fim, o fluxo de correntes elétricas na atmosfera induz um campo magnético que pode ser observado na superfície terrestre. Um processo similar ocorre no oceanos, que são verdadeiros condutores elétricos, capazes de induzir campos magnéticos.

Os ventos atmosféricos sofrem influência de, pelo menos, dois fatores: a atração gravitacional lunar (ou maré gravitacional) e a convecção do material atmosférico causada pelo aquecimento solar (a chamada maré térmica). Desta forma, a propagação vertical das marés gravitacionais e térmicas por meio da atmosfera afeta os sistemas de corrente que fluem pela ionosfera terrestre, como os sistemas Sq (do inglês Solar quiet) e o já mencionado eletrojato equatorial. A amplitude e fase das marés variam longitudinalmente e, por isso, causam importantes alterações no sinal magnético associado à variação diurna geomagnética.

Entretanto, durante a noite, a ionização da atmosfera é insignificante, justamente pela ausência dos fótons solares. Neste caso, o efeito das marés gravitacionais predomina e se restringe ao sinal magnético induzido pelos oceanos.

Hoje, muitas pesquisas científicas são dedicadas à melhor compreensão de como o sinal magnético é afetado pelas marés atmosféricas. Consequentemente, os estudos ajudam a aprimorar os modelos empíricos e físicos já existentes.

O eletrojato equatorial é amplamente registrado e estudado pelo Observatório Magnético de Tatuoca (TTB). O observatório mais próximo de TTB está em Kourou, na Guiana Francesa, instalado em 1995, a cerca de 700 km ao norte e 400 km a oeste de Tatuoca. Juntos, os dois observatórios são usados para obter dados e informações sobre o eletrojato equatorial. O Brasil é a região da Terra onde o equador magnético se desloca mais rapidamente. Nos últimos 63 anos, período de funcionamento de TTB, o equador magnético se deslocou mais de mil quilômetros para o norte e, em 2013, foi registrada a passagem do eletrojato em TTB. Este fato tem grande relevância: faz de TTB o único observatório magnético do mundo capaz de registrar a transição de um regime de correntes ionosféricas de baixa latitude para um regime equatorial. Hoje, o eletrojato está ao norte de Tatuoca, mas sua influência continua a ser registrada pelo Observatório Nacional.

Veja o vídeo de Gabriel Soares sobre sua pesquisa realizada no Observatório Nacional

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