Para que servem as observações?

Nos observatórios magnéticos, cientistas monitoram as variações espaciais e temporais do campo geomagnético — e isso é feito por longos períodos, com grande precisão e de forma contínua. Espalhadas pelo mundo, estas instalações são também úteis para a calibração de satélites que têm instrumentos que realizam medições do campo magnético. Os dados gerados pelos satélites fornecem uma grande cobertura espacial, mas ficam em órbita por um período limitado de cerca de dez anos. O processamento destes dados é um desafio: o fato dos satélites estarem sempre em movimento e em grande altitude torna mais complexa a análise das informações. De forma complementar, os observatórios são instalados em locais fixos, projetados para não interromperem nunca os registros de alta qualidade.

Esquema da Terra em profundidade mostrando a crosta (até 30 km de profundidade), manto (até 2900 km), núcleo externo (até 5150 km) e núcleo interno (até 6371 km, é o raio da Terra). Esta figura mostra as duas formas mais usadas para medir o campo magnético da Terra nos observatórios magnéticos e satélites.

Medir um campo magnético em um observatório é, na verdade, registrar informações de três campos: o do núcleo da Terra, o externo e o induzido. A separação dessas fontes é possível graças ao trabalho do matemático e físico alemão Carl Friedrich Gauss, que criou uma teoria matemática para separar as partes internas do planeta (o núcleo e a crosta) das externas (as camadas ionosfera e magnetosfera). Assim, é possível entender o comportamento do campo geomagnético por meio dos modelos globais, que têm inúmeras aplicações na indústria e em estudos científicos.

A maior parte do campo medido em um observatório é gerado no núcleo terrestre, com grandes mudanças de intensidade. As variações que ocorrem neste campo podem ser de meses até centenas de anos — por isso levam o nome de variação secular. O estudo destas variações envolve o cálculo de médias mensais ou anuais dos componentes do campo geomagnético. Às vezes são detectadas mudanças abruptas, conhecidas pelos cientistas como “jerks”. O que causa um “jerk”? O mecanismo ainda é um mistério para a área do geomagnetismo, e seu estudo é importante para entender o interior profundo da Terra e as propriedades físicas do manto terrestre ( Projeto Majestic).

Gráfico da variação secular nos observatórios magnético na França (círculos amarelos) e na Alemanha (círculos verdes). Os “jerks” são mostrados pelas setas. Modificação de Pinheiro e Jackson (2008).

Há, ainda, variações mais rápidas no campo geomagnético, durando de segundos até dezenas de anos. Elas têm relações com o clima espacial, e são monitoradas pelos observatórios magnéticos. Na área do clima espacial, os cientistas estudam como as atividades do Sol afetam a Terra e o meio interplanetário. Existem, por exemplo, as erupções solares, que aceleram partículas com energias extremamente altas no espaço. Quando isso acontece, os níveis de radiação espacial podem aumentar de maneira importante, causando riscos para a operação de satélites e espaçonaves. Para prever estes eventos e, principalmente, minimizar seus efeitos, os observatórios investem no estudo do funcionamento do Sol e seus impactos nos planetas.

Outro efeito das erupções solares é a liberação de nuvens de plasma magnetizado, e que podem ser dezenas de vezes maiores do que a Terra. Estas nuvens — também conhecidas como ejeções de massa coronal — podem causar grandes perturbações no campo geomagnético. Os efeitos são diversos e vão desde a desorientação de alguns animais (como aves e baleias) até danos em redes elétricas.

Os observatórios magnéticos também acompanham o fenômeno da variação diurna, que é causado por correntes elétricas que fluem na ionosfera, uma das camadas da atmosfera terrestre. A ionosfera, como o nome sugere, é uma fração da atmosfera que foi ionizada (transformada em plasma) por meio da luz solar. As correntes que passam por lá não são uniformes e, em alguns pontos, podem ser intensas: é o caso de uma faixa ao redor do
equador magnético, onde se encontra o fluxo do eletrojato equatorial. A região é caracterizada por grande instabilidade. Por dificuldades na precisão das medições, a variação diurna é desafiadora tanto para pesquisas acadêmicas quanto para a indústria.

Variação diurna da componente horizontal do campo geomagnético medido em Março de 1963 no observatório magnético de Huancayo (HUA), no Peru. HUA está situado na região do equador magnético e, portanto, sob influência do eletrojato equatorial. A intensidade da variação diurna em cada dia é indicada por setas vermelhas. É possível perceber como a intensidade da variação diurna pode variar entre dias consecutivos, o que está associado a variação diária do eletrojato equatorial e das marés atmosféricas que o modulam.

Fonte: Figura elaborada por Gabriel Brando Soares (soaresbrando@gmail.com)

Todos estes campos que vêm de fora da Terra acabam por induzir outros campos — e estes podem ser medidos na superfície do planeta. Medindo estas fontes (conhecidas como indutora e induzida), é possível determinar propriedades elétricas da crosta e do manto. É este o fundamento do método magnetotelúrico (MT), em que bobinas e eletrodos são usados para medir campos eletromagnéticos de origem natural em levantamentos geofísicos (sejam eles terrestres ou marinhos). O MT é uma das técnicas geofísicas mais utilizadas para realizar sondagens eletromagnéticas, ou seja, investigar variações de condutividade em subsuperfície. Assim, o método é fundamental para estudos geodinâmicos e para a exploração de petróleo, minérios e água subterrânea.

Indução eletromagnética em meios geológicos. Um campo magnético externo de origem natural, gerado por correntes elétricas na ionosfera ou tempestades magnéticas, por exemplo, induz um campo elétrico, que se propaga dentro da Terra. Este campo magnético é conhecido como campo indutor, ou primário. Caso existam corpos geológicos condutivos em subsuperfície, como minérios, correntes elétricas serão induzidas nestes corpos, gerando campos magnéticos induzidos (ou secundários). Estes podem ser medidos na superfície da Terra em observatórios magnéticos ou através do uso de equipamentos geofísicos. A partir das medidas do campo primário (indutor) e secundário (induzido) pode-se descobrir propriedades elétricas do interior terrestre. Este é o fundamento básico do método magnetotelúrico.

Fonte: Figura elaborada por Rafael Rigaud (rafael.rigaud@hotmail.com)

Além destes campos, os observatórios magnéticos analisam os chamados campos induzidos, que se propagam até o manto terrestre. Neste caso, a vantagem das medições de longo período é que elas tornam possível a investigação de propriedades elétricas em grandes profundidades. Conhecida como “Geomagnetic Deep Sounding”, a técnica usa sinais de tempestades magnéticas da magnetosfera para estudar as propriedades elétricas do manto, até cerca de 1400 km. Pesquisas recentes desenvolveram técnicas que possibilitam o uso de dados de observatórios para a execução de sondagens magnéticas em áreas mais rasas, de até 200 km de profundidade.

Por vezes, este tipo de estudo deve ser feito em regiões oceânicas, o que torna o processo muito mais complexo. Para fazer medições nestes espaços é preciso enfrentar dificuldades logísticas e levantamentos geofísicos em estações oceânicas distantes. É importante, no entanto, que a consequência do movimento das águas seja monitorada. As partículas ionizadas presentes no oceano, estando sujeitas à ação do campo geomagnético, criam outros campos na subsuperfície oceânica. Esse fenômeno sofre influência das conhecidas marés — consequências da atração gravitacional da lua, registradas pelos observatórios e satélites.

Campos magnéticos induzidos devidos a tempestade geomagnéticas, causadas pela atividade solar na magnetosfera. Estes sinais apresentam períodos de algumas horas até alguns dias e permitem a investigação da condutividade elétrica do manto, em profundidades de 200 até 1400 km.

Por fim, os observatórios também contribuem no planejamento de levantamentos geofísicos magnéticos, que são capazes de revelar novas jazidas minerais e de petróleo, além de anomalias magnéticas. Os dados obtidos por meio destes estudos exigem um processamento apropriado — a ideia é que eles sejam isolados de outras fontes do campo geomagnético. Estas informações são tratadas pelos observatórios, que ajudam na correção das variações diurna e secular.

No ramo industrial, uma das mais significativas contribuições dos observatórios é o apoio a atividades de perfuração e navegação de poços de petróleo. A análise do campo magnético permite o posicionamento de sondas com alta precisão. Em todas essas atividades, registros de alta qualidade dos observatórios magnéticos, contínuos e em tempo real são extremamente importantes. Para saber mais, confira a seção de Aplicações para Pesquisa e Indústria.

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